terça-feira, 19 de abril de 2011

Pastorador de Auroras


Autor: Valério Mesquita

Casarão dos Guarapes "ontem".
A visão de quem passa pelo empório dos Guarapes (Macaíba) testemunha um tipo inexprimível de mistério, grandeza e história, que não se manifestam, apenas, na visibilidade dos olhos. Espelho e sombra nos envolvem totalmente. Reflete a casa perdida da infância de qualquer um de nós, mesmo que distem quase duzentos anos de nascença. As cores da vida vem de dentro. Ao derredor da construção principal, aflora o lirismo vegetal e memórias mil de luar...

Diante dos Guarapes paraliso o meu corpo e silencio a boca, ante a emoção e a paz emblemática onde nascem, depois, todas as palavras. Templário erguido ao comércio, ao labor, a vida, a riqueza, ao capital, nele, somente restando, hoje, a raiz e o cupim, sem jardim, sem teto, gasto em sombras, sem rumor, apenas um eco antigo e longínquo da voz imaginária do grande capataz dos mistérios circundantes: Fabrício Gomes Pedroza.

“Feliz do homem que conhece a terra onde será enterrado”, disse o saudoso Dom Nivaldo Monte, já perto de sua partida e despedida. Ele não tinha nas mãos o acento da desesperança. Reescrevi hoje novo texto sobre os Guarapes movido pela aflição de um vento novo, ressurgente, após a longa noite da burla, do engodo e do humano ressentimento.

Segundo os pesquisadores, os técnicos, as prospecções ao redor da área indicam um dominó de ocorrências ainda desconhecidas. Estão invisíveis, dissipadas e espalhadas no ar fino das brumas do rio Jundiaí soprando na paisagem do nunca mais. Queremos vê-la restituída, reerguida, alongada até o antigo cais e a capela, até desfazer todas as incertezas. Tudo, para sentirmos o peso da criação do homem que investiu e inovou a economia de Macaíba e do Rio Grande do Norte.

No esforço criativo de restaurar os Guarapes, congregam-se neste ano da paz de 2011, verdadeira confraria habituada as longas viagens repetidas. Para essa plêiade não interessa equívocos e maus murmúrios. Basta que a lembrança retorne submissa na velha casa que repousa em clarões e longos silêncios.

Sobre a história do monumento já falei em textos anteriores. Após os gemidos, resta-me, agora, a alegria de haver achado o caminho. Um outro rumor intemporal já escuto e já me revejo diante de um espelho de sustentação. A porta que abriu não me traz enganos. As primeiras imagens dos Guarapes reconstruído renasceu dessa porta. E logo eu que me achava perdido, volto a perceber que não estou só. Estava exausto de ser enganado. Hoje, consegui a vontade política e a sensibilidade de fazer, dos que estão no poder.

A constelação de todos que se mostram envolvidos na obra constitui o fulgor da partida, do início de uma peleja. Naquela colina se ouvirão, logo mais, vozes diárias entre arcos voltaicos de sua beleza e significado para a história do Rio Grande do Norte. Dede o tempo dos holandeses, do temível Jacob Rabbi, disse-me o geólogo Edgar Ramalho Dantas que os Guarapes e Jundiaí, juntos, desafiam os estudiosos pelo circuito de circunstâncias no chão sagrado dos antepassados, a suscitarem descobertas, grutas, ecos irresignados, águas novas e subterrâneas.

Atravessando o rio, vê-se de frente o memorial de Uruassu, santuário dos mártires e bem perto dali as ruínas de Extremoz. Para trás, o Solar do Ferreiro Torto, já restaurado. Chega-se a conclusão que o entorno de Natal, naquele tempo foi o maior teatro de operações da produção de alimentos, comércio, moldura de dissídios e lobisomens, que somente os Guarapes renascido pode restituir pelo olho e o tino do estudo e da pesquisa, já em campo.


Artigo extraído do Jornal Tribuna do Norte.

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